Este disco é o resultado do encontro
de Siba Veloso, um dos mais interessantes músicos da música popular
brasileira contemporânea, com um grupo de cantores e instrumentistas, de várias
idades e intérpretes da mais pura das tradições da Mata de
Pernambuco. Biu Roque era quem mais se destacava pela voz e pelo
espólio musical de que era portador.
Vou explicar a ligação peculiar que
tive com esta gente, deitando mão a um texto que enviei para uma
página da Karina Buhr, cantora, compositora, percussionista e
actriz, que já conhecia da banda Comadre Fulozinha.
Rezava assim:
Olá Karina.
Ao saber da morte de Biu Roque
encontrei este seu espaço e a magnífica homenagem que aqui lhe
presta.
Sou de Portugal, duma cidade chamada
Aveiro e tive o privilégio de o conhecer pessoalmente. Vou contar
como foi.
Siba e a Fuloresta já visitaram o nosso país por mais que uma
vez para apresentar os seus espectáculos e o meu filho trabalha na
agência que os representa aqui. Em Julho/Agosto de 2008 eles
estiveram no Festival de Músicas do Mundo de
Sines na Casa da Música do Porto e como tinham alguns interregnos entre
as datas dos concertos, optaram por ficar hospedados em Aveiro e ao
abrigo do meu filhão, de quem eles muito gostam. Um dia o meu filho
perguntou se arranjava jantar para mais sete ou oito pessoas, coisa
simples para pessoas simples. Eu disse que sim, como é óbvio, e
nessa noite tive a grata surpresa de ter os Fuloresta a comer um
churrasco no meu logradouro. Siba tinha viajado para a Alemanha para
um evento de um outro projecto seu e Biu estava doente, tendo ficado
no Brasil. Levaram os instrumentos com eles e depois do jantar
brindaram-nos com Maracatus e Cirandas que soaram alto na pacatez do
meu bairro. A minha mulher teve que pedir desculpa à vizinhança
pelo inusitado da situação. Foi um serão único e inolvidável.
No ano passado eles voltaram e desta
vez Siba e Biu estavam também presentes e embora não tivessem
trazido os instrumentos, a festa não faltou.
Sentei Biu numa das cabeceiras da
longa mesa, pois desta vez éramos bem mais, contando com a família,
músicos e membros da agência. Desde que chegou até que partiu, Biu
só calou o seu canto para comer ou beber. Impressionante! Cantava
para ele, cantava para Siba, cantava para todos, ignorando se o
estariam a ouvir, sempre naquela voz aguda à beira do colapso.
Em conversa com Siba confiei-lhe a
minha admiração por aquele velhote de aspecto frágil que
transportava um cancioneiro gigante com ele. Uma enciclopédia viva
da música tradicional brasileira.
A falta de instrumentos não impediu
que todo o mundo acompanhasse Biu com vozes, palmas, talheres, copos
ou com o tamborilar dos dedos.
No final da noite, amparado por Siba
que se manteve sempre por perto, agradeceu de forma sentida por tê-lo
recebido na minha casa e pelo jantar. Fiquei apreensivo pela sua
fragilidade, mas não esperava que o desenlace se desse menos de um
ano depois.
Uma noite bonita para lembrar
sempre!
Karina, o seu contributo para a
dignificação deste músico fabuloso é de louvar e agradecer. Os
brasileiros só terão a ganhar em conhecer a música de Biu Roque e
o património que consigo transportou.
E agora, se me der licença, vou
ouvir o seu novo disco que, confesso, desconheço!
Na cantiga que
deposito na Minha Caixinha de Música, podem ouvir a voz principal de
Siba e, sobressaindo no coro, a voz sempre no limite do estilhaçar
de Biu.
Um disco e duas
noites que guardo no cofre dos eleitos.