terça-feira, 25 de março de 2008

Carlos Paredes - Guitarra Portuguesa

Há sentidos, sentidos, que se entrelaçam noutros sentidos, deles se alimentam e a eles se dão. Isto a propósito deste enorme músico português. Tenho que regredir no tempo e voltar aos finais da década de 60, para encontrar as suas primeiras e perenes referências. Estava então na minha inocente adolescência quando me meteram o bichinho do teatro. Logo de uma assentada defrontei-me com dois monstros teatrais: Lorca e Santareno. Foi nos bastidores, lugar onde me sinto como peixe na água, que dei os meus primeiros passos e convivi com homens já feitos, com os seus defeitos e as suas virtudes. Representava-se "O Lugre", retrato dos dramas passados a bordo dos bacalhoeiros na Terra Nova. Foi no velho Teatro da Trindade, em Lisboa, que presenciei um dos mais impressionantes episódios da minha vida. A sala cheia, no final, de pé, vibrante, aplaudindo durante dez, quinze, vinte minutos, não sei ao certo, todo o emocionado elenco. Por detrás dos panos, assisti com olhos marejados, até que alguém me empurrou também para o palco. O aplauso era recíproco e quando dei por mim estava ali bem perto de Bernardo Santareno que entretanto subira os degraus para se juntar a nós. Inesquecível! A sonoplastia deste espectáculo era composta, exclusivamente, por temas de Carlos Paredes...
Para além do extraordinário virtuosismo como compositor e intérprete, criou um estilo novo para a guitarra de Coimbra, maior do que a de Lisboa, alterando-lhe a forma a fim de obter dela uma maior amplitude de acordes e modulações. Citando Alain Oulman, Paredes deu "voz" à guitarra, dando-lhe, acrescento eu, honras de primeiro instrumento.
Porque esta música me toca e me traz remotas e gratificantes lembranças, não a poderia ignorar neste blogue, nem deixar de a partilhar. E foi este Homem, durante toda a sua vida, músico de excepção em todo o Mundo, arquivista de hospital, em Portugal!!!

Guitarra

quarta-feira, 19 de março de 2008

Orquesta Aragon - La Charanga Eterna

Formada por Orestes Aragon Cantero no ano de 1939, primeiro com o nome de Ritmica Del 39, depois como Ritmica Aragon, só no fim de 1940 adquiriu o definitivo Orquesta Aragon. Caracterizada até aos nossos dias pelos violinos e pela flauta, esta charanga começou por tocar, sobretudo, o "danzon", um velho estilo que já vindo do século passado (XIX), conheceu novo fôlego através da variante cantada, a "danzonete". Orestes pretendia fazer da orquestra uma família musical, preterindo a virtuosidade a favor da compartilha de amizades e qualidades humanas dos seus músicos. Uma grave doença ditou o seu afastamento precoce em 1948. Rafael Lay, então com apenas 20 anos, foi a quem ele delegou a responsabilidade do projecto que iniciara. O seu instinto musical não o enganou, pois Rafael não só continuou a sua obra, como levou a orquestra, sob sua batuta, ao reconhecimento internacional. O espírito de Orestes e da revolução manteve-se até hoje. Não há vedetas no grupo e os benefícios financeiros são distribuídos por todos de forma igualitária.
Este CD foi lançado para comemorar o sexagésimo aniversário da banda e engloba visitas ao velho património Aragon, aos clássicos cubanos e novos temas. Colaboram, entre outros, a grande Omara Portuondo, Cheo Feliciano, legenda da salsa, o congolês Papa Wemba e o antigo cantor da Orquesta, Felo Bacallao.
Vamos então beber um mojito, acender um puro exquisito e ouvir a charanga eterna!

Aragon

quarta-feira, 12 de março de 2008

The Chieftains - Santiago

Os Chieftains são uma verdadeira instituição! Quase que me atrevo a chamá-los de Organização Não Governamental de preservação, divulgação e ligação da música celta, através de percursos por várias latitudes, às vezes até fora do conceito e da localização. Este seu trabalho é-me muito querido, já que se atrevem na fronteira, aproveitando os caminhos que vão dar ao apóstolo, vindo saborear sons lusos e acrescentando Júlio Pereira ao rol de grandes músicos a que fazem questão de se reunirem vastas vezes. Entram assim pelo Norte de Espanha, vão ao México com Los Lobos, a Cuba com a mãozinha de Ry Cooder, até às praias da Nazaré, deixam o Minho para trás e acabam a noite num pub irlandês em Vigo!

Santiago

sexta-feira, 7 de março de 2008

Pias - O Cante na Margem Esquerda

Desde garoto que tenho uma admiração quase inata pelo cante alentejano. Talvez uma das razões porque me viria a apaixonar, já homem bem maduro, pela terra, pelo cheiro, pela planície, pelos comes e bebes e pelas suas gentes. No boocklet pode ler-se: "...O folclore genuíno do Alentejo não é dançado, nem tocado, mas apenas cantado. Aparentemente monótono e de pouca alegria exterior, é no entanto nostálgico, dotado de uma devotada profundeza de alma e de uma invulgar riqueza polifónica..."
O cante, aqui interpretado pelos Camponeses de Pias, que tiveram a preciosa ajuda de Vitorino Salomé, são o retrato fiel dessa majestosa polifonia, de harmonias bem características e métrica única. Do melhor e mais rico que a música folclórica portuguesa nos deixou como legado e que urge preservar, divulgar e porque não...cantar, como já o fiz, à volta duma chouriça assada e dum tinto animador!
Desculpem a qualidade da capa, mas como não tenho (que vergonha!!!) hardware para a digitalizar, tive que obter uma imagem da net...

O Cante

terça-feira, 4 de março de 2008

Hedningarna - Trä

Não foi de fácil digestão, a primeira toma desta poção diabólica. Não pelas origens misturadas, algumas quase castas aos meus ouvidos, mas pelo vigor e pela abundância. Os impactos inusitados e as reviravoltas de vozes e instrumentos fizeram com que, de forma progressiva, passasse a adorar este trabalho. Folk escandinavo engrenado com rock musculado e adornado de vozes femininas angelicais. Sons instrumentais pela primeira vez escutados, pois vários dos aparelhos utilizados foram reconstruídos e reinventados com base em destroços e espólio de museologia.
Tal como o velho slogan, primeiro estranha-se, depois entranha-se...
Mesmo uma dezena de anos depois!

Trä