terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Aldina Duarte - Apenas o Amor

Ouvir Aldina é quase como assistir e partilhar dum acto litúrgico, pelas palavras que nos exortam, pelas melodias clássicas revividas, pelos trinados comoventes e envolventes das cordas, pela voz sentida e crua. Uma certa mística paira no ar.
Aldina é tradição e aguçada modernidade, um passo resoluto de marco da História evolutiva do Fado, sempre com a referência do melhor passado na memória.
Como diz Carlos do Carmo no texto incluso na brochura que acompanha o CD, "Assim se faz um disco de fado que resulta conceptual e que deve ser ouvido com o respeito de quem gosta de aprender. Sim, porque do Fado sabemos pouco."
Para quem, como eu, que sabia do Fado Menor, do Mouraria e pouco mais, ouvir doze fados tradicionais e quase todos eles desconhecidos, foi uma grata e deslumbrante surpresa. Agora já sei da existência do Fado Solene, do Fado Tango ou do Fado Pedro Rodrigues de Quintilhas e posso decifrá-los na escuta.
Aldina é uma aluna do Fado e nossa Mestra na sempre aliciante aprendizagem desta nossa profunda e única expressão do toque e do canto.
Com este disco termino a revista feita à edição de 2006 do Festival Sons em Trânsito.

Apenas o Amor

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

René Aubry - Mémoires Du Futur

Eis um caso peculiar de um músico virado para conceitos intimistas, minimalistas e descritivos. Passou a maior parte da sua carreira escrevendo para outros actos artísticos, colaborando com, por exemplo, Pina Baush ou Phillipe Genty. Para além da dança e da criação teatral, a sua música foi também justaposta a diversos filmes. Não será difícil de comprovar a faceta cinematográfica das suas composições e associar imagens aos sons de René.
As palavras são diminutas, os instrumentos clássicos mesclam-se com as novas tecnologias, loops e programações, resultando numa paisagem bucólica feita banda sonora.
Às vezes, em conversas, inquirindo-me sobre certas descrições, pedem-me para referir a que etiqueta pertence esta ou aquela música. Muitas delas me sinto embaraçado, dada a prolífera teia de harmonias, orquestrações e influências. Normalmente, quanto maior a hesitação, melhor e valioso pedaço de arte estou a tentar definir.
E este é um caso bem embaraçoso...

Aubry

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Lo'Jo - Bazar Savant

Deste grupo sediado em França fazem parte europeus e africanos, o que, à partida, já dá para adivinhar com o que os nossos ouvidos se podem aprestar para acolher.
Quem diria que já deambulam pela cena musical há quase três décadas e que só há bem pouco lograram visibilidade notória?
Conheci-os em 2006, ano de lançamento deste disco, e fiquei seduzido desde logo pelo som e pela imagem que apresentam em palco. Denis Péan é o mestre de cerimónias e a sua desconcertante presença vocal e estética não pode deixar ninguém indiferente.
Uma ligação do Sul da Europa ao Norte de África, é a ponte que eles constroem e que nos convidam a atravessar.
Uma descoberta tardia mas em tempo. Nunca é tarde para dar de ouvidos com surpresas boas!

Bazar Savant

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sara Tavares - Balancê

Este é um caso de êxito que confirma a excepção numa regra: a regular mediocridade dos concursos caça-talentos!?!? Sou um feroz inimigo e cáustico crítico dessa forma perversa de atracção de gente jovem, por vezes com alguma aptidão natural, e do seu aproveitamento torpe em busca de audiências. Diga-se, em louvor da verdade, que a "Chuva de Estrelas" que Sara venceu, era uma donzela quase pura em comparação com o devasso proxeneta que dá pelo nome de "Ídolos". Mas adiante...
Sara teve o grande mérito de tirar proveito duma pequena aventura que procurou e venceu, e alicerçando-se na sua voz, dom ingénito, foi, paulatinamente, construindo um objectivo bem firme. Não deverá a isso ser alheio o apoio e o aconselhamento que sabiamente lhe prestaram. E foi aprendendo, estudando, ouvindo, aperfeiçoando, que chegou a este estádio já bem evoluído, com promessa latente para próximos mais altos voos.
Portuguesa? Cabo-verdiana? Ambas e com orgulho nas duas condições, suponho.
Por este disco passa a negritude musical e até o fado, passa a maturidade daquela miúda de olhos grandes e bons que nos encantou quando ainda tinha 16 anos. Agora, não é só uma voz. Ela canta, compõe, toca vários instrumentos, produz e sabe estar no palco. Ainda relativamente às regras que refiro no meu preâmbulo mordaz, esta garota foi e é uma excepção!

Balancê

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Kepa Junquera - Hiri

Vamos então dizer deste músico/compositor, executante de trikitixa, pequeno acordeão diatónico basco e fazer um pequeno intróito à obra em título. Trata-se de um enfoque de lembranças retidas na memória do autor e recolhidas em diversas cidades do mundo. Logo, não será de estranhar que o disco esteja enfeitado com adornos de díspares origens, sendo todos os temas designados pelo nome da urbe glosada. É, no entanto, preponderante, para além da trikitixa, a sonoridade das txalapartas, instrumento de madeira, deslumbrante, que proporciona recreio invulgar a quem o toca e a quem o ouve. A txalaparta é uma peça ancestral que quase sofreu a extinção mas que em boa hora foi recuperada e viu a sua construção melhorada.
Kepa, ademais ser exímio instrumentista, é um afável comunicador que tem vindo a aprimorar o seu trabalho.
Estamos diante de uma festiva celebração musical, para a qual foram convidadas inúmeras ilustres personalidades, sendo nós aqueles que usufruimos do maior privilégio que é o de os escutarmos.

Hiri

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Debashish Battacharya And Bob Brozman - Mahima

As minhas próximas lucubrações serão dirigidas a alguns músicos que passaram por Aveiro, mostrando a sua arte durante a edição de 2006 do Festival Sons em Trânsito.
Debashish foi um deles, tendo-se apresentado em palco com as suas guitarras e o som mágico das tablas em junção. Considerado menino-prodígio desde tenra idade, é hoje um dos mais conceituados e brilhantes músicos indianos. Entregou-se às suas guitarras e quando digo suas, digo-o com propriedade, pois são concebidas por ele e quer tenham quatro, catorze ou vinte e quatro cordas, a maestria e a alma são constantes. O reconhecimento internacional mais visível chegou este ano ao ser nomeado para um Grammy, na categoria The Best Tradicional World Music Album. A sua simplicidade e simpatia concedem-lhe uma aura serena de bonomia e isso é-nos transmitido na plateia.
Bob é um americano do mundo. Linguista, antropólogo e etnomusicólogo, é um estudioso das slide guitars e uma pessoa profundamente empenhada na sua concepção. Seguidor de rotas migratórias e do cruzamento de sons e culturas, tem-se aproximado de músicos de todos os continentes e com eles desenvolvendo trabalho de monta. Numa próxima oportunidade cá o trarei de novo à liça com um outro disco imperdível feito a metades com o guineense Djeli Moussa Diawara.
Estes dois músicos superiores assim se juntam para dedilhar as suas slide guitars, indo da Índia ao Havai nas asas dum embalo em busca de perfeição. Sutapa, irmã de Debashish, empresta a voz e Bob assina a produção. Garanto a excepcionalidade destes sons únicos!

Mahima

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ludovico Einaudi / Ballaké Sissoko - Diario Mali

Ludovico Einaudi é italiano, músico de formação clássica que entretanto se despegou dos modelos básicos da sua aprendizagem de composição e execução, embrenhando-se noutros conceitos e estéticas.
Aliando um olhar meditativo ao minimalismo algo pop das suas explorações, construiu, modelando, melodias simples de uma contemplativa elegância. Diversificou o seu trabalho e concebeu peças para multimédia, dança, tv e cinema.
Ballaké Sissoko é maliano e um dos mais conceituados e exímios tocadores de kora.
Filho de músico, desde muito cedo se integrou em grupos do mais imaculado e profundo folclore do seu país.
Encontraram-se neste cd e pelo mundo andaram em parceria, encantando audiências e demonstrando que toda a boa música se junta harmoniosamente, vinda ela de qualquer canto do mundo.
Foi esse torpor harmónico da simplicidade que senti quando assisti ao concerto deste duo singular, na edição de 2006 do saudoso Festival Sons em Trânsito.

Diario Mali

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Cheikh Lô - Lamp Fall

Podia começar assim: ouçam este disco que é fabuloso! E acabar assim.
Mas não consigo ficar-me por aí pois tenho referências pessoais que gostaria de partilhar. Logo me dirão se concordam com o que escrevo.
Cheikh é oriundo das raízes senegalesas do Mbalax, música de dança de ritmos desconcertantes e complexos. Podia quedar-se por lá, mas não o fez e ainda bem para os nossos sentidos. Em 1996 saiu do anonimato lançando o seu primeiro disco produzido por Youssou N'Dour, músico maior e bem conhecido no meio, adicionando já novos motivos e adornos aos ritmos sensuais e tradicionais.
Continuou a sua marcha de descoberta até 2006, ano em que apresentou este disco magnífico!
Vamos encontrar nele e à medida que nos vai sendo revelado, elementos da rumba congolesa (Kékélé, lembram-se?), da salsa, do reggae, do jazz, sempre com muito ar funky.
Foi parcialmente gravado na linda cidade de Salvador da Bahia e isso imprime novos cromáticos produzidos por berimbaus, surdos e uma sanfona que soa a tango. Na extensa plêiade de instrumentos encontramos ainda o piano, vários sopros, o sempre impressionante Hammond B-3, guitarras eléctricas, as talking drums, o cajon flamenco e a cítara. A meio do percurso podemos ser surpreendidos pelo espírito, vejam lá, de Ry Cooder em viagem por Cuba.
Uma obra a descobrir com urgência!

Lamp Fall

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Alterações

Devido a problemas surgidos com o hospedeiro com que tenho trabalhado (Badongo), iniciei já o uso de um outro (Rapidshare) e paulatinamente começarei a reenviar os ficheiros que agora estão inacessíveis.
Peço desculpa por esta contrariedade e agradeço desde já a todos os que me foram advertindo para as ocorrências nefastas com que me vi confrontado.
Irei começando pelos posts mais recentes e gradualmente espero colocar o serviço em dia. Ficheiros mais antigos e com pouca procura ficarão de fora, podendo sempre solicitar o envio de link com o upload respectivo e temporário.
Boas músicas!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Daniel Melingo - Santa Milonga

Estamos perante um músico cinquentão, argentino de Buenos Aires, multi-instrumentista, cantor e compositor. Adolescente na época da feroz ditadura militar que teve início em 1976, teve papel relevante no panorama rock argentino, assumindo posturas seminais e provocatórias e acabando por fugir do país. Andou pela Europa e Brasil, onde integrou temporariamente a banda de Milton Nascimento. Fixou-se em Espanha, percorrendo a cena underground e dando asas à sua boémia, ao seu carácter irrequieto em permanente desassossego, sempre com uma boa dose de iconoclasmo.
De volta a Buenos Aires, já mais maduro, encena a sua transformação e começa a cantar e a dedicar-se ao tango, forma musical que os rockeiros baniam. Fá-lo, no entanto, com uma abordagem diferente, alterando códigos estéticos e líricos e juntando elementos rock.
São estes registos simultâneos, mais algumas sonoridades hispânicas e latino-americanas que poderemos escutar neste singular trabalho.
Não é à toa que haja quem lhe indique similitudes com Tom Waits ou Paulo Conte, pela característica da sua voz e pelo desconcertante espectro sonoro que emprega na sua música.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Loyko - Gypsy Times For Nunja


Este grupo foi descoberto por mim por mero acaso, quando folheava um recém-comprado livro escolar para a minha filhota Lia. Isto terá ocorrido há já um bom par de anos. Apetente por melodias oriundas destes quadrantes e seduzido pela amostra inclusa no manual, não demorei muito a partir em busca do restante.
Assim cheguei a este CD de 2001, onde a formação do grupo ainda comportava quatro elementos.
São músicos de alto gabarito, com formação clássica e especializada que se dedicam a explorar as tradições sonoras ciganas do centro da Europa, visitando o flamenco, com adornos clássicos e outros menos explícitos. Não entendo patavina de russo, mas o facto de usarem a poesia de Garcia Lorca deixou-me desde logo de apetite aguçado.
Os violinos emprestam sempre uma aura de sortilégio quando usados na música tradicional de vários países ou culturas. Aqui não fogem à regra e deixam-nos presos aos diferentes ataques que dedos hábeis lhes incutem.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ry Cooder - Chávez Ravine

Bop Till You Drop, de 1979 e Borderline, de 1980, foram os discos que proporcionaram o meu primeiro contacto com a música de Cooder. Voltaria a encontrá-lo na banda sonora de Paris, Texas, de Wim Wenders. Mais tarde, quase a acabar o século XX, dei de caras com ele no fabuloso trabalho de reencontro de grandes músicos cubanos que ficarão para sempre na Histótia como Buena Vista Social Club. Pelo meio ainda o pude apreciar junto ao maliano Ali Farka Touré no álbum Talking Timbuktu e ao flautista indiano Ronu Majumdar e ao trompetista norte-americano Jon Hassel no projecto Hollow Bamboo.
Para além da música alicerçada nos ritmos latino-americanos, Cooder relata episódios verídicos dum excerto vergonhoso, mais um, da história americana. Uma comunidade de origem mexicana instalada num território californiano antes pertencente ao México, vê-se confrontada com a especulação imobiliária suja, já que dista muito pouco da grande urbe, Los Angeles. Acabaria a negociata no despejo de todas as famílias, acusadas torpemente de gente bandida e na construção dum imenso estádio de basebol dos Los Angeles Dodgers.
Os moradores sobreviventes de Chávez Ravine e as suas famílias formaram um grupo a que deram o nome de Los Desterrados e reunem-se todos os anos no Parque Elysian, jardim onde brincaram nos velhos tempos e com o estádio dos Dodgers ao fundo, fazem um grande piquenique e recordam histórias de uma comunidade que vivia em paz e harmonia e que acabou, depois de arrasada pelas máquinas e pelo poderio político-financeiro, dispersa e sob o jugo do preconceito.
Uma obra magistral e marco na carreira de um dos mais interessantes e lúcidos músicos americanos!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Marsya - Visoko Drvo

Este quinteto sérvio, formado em 1999, lançou este cd em 2003.
Não me lembro bem quando e como me enfrentei com este grupo e a sua música. Estou convencido que veio por arrasto quando procurava por música dos territórios Balcãs.
Sonoridades puras, sujas pelas influências particulares de cada um dos intérpretes. Não é fácil esconder as escolas jazzísticas que impregnam de forma subtil os vários instrumentos tocados.
Trata-se de música medieval transposta para a contemporaneidade. Misturam-se canções de outrora com alguns temas originais que não fogem à linha estilística traçada.
Peças curtas, sons tradicionais com fugas à modernidade, virtuosismo moderado e um disco para se ir absorvendo em pequenos quinze tragos.

Marsya

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Van Morrison & The Chieftains - Irish Heartbeat

Estas duas entidades, uma individual, a outra associativa, não carecem de grandes apresentações. Van Morrison é um camaleão musical, versando várias formas e estilos, desde o rock ao folk, deambulando por eles com fácil e destra maestria. Os Chieftains são mais do que uma banda, são uma instituição respeitável da música tradicional irlandesa e celta.
Ouvimo-los neste excelente encontro no ano de 1988, interpretando oito temas tradicionais e dois originais de Morrison.
Parcerias destas redundam muitas vezes em fracassos e sensaborias. Quando digo fracassos, não falo na questão comercial, porque aí o fito é vender os nomes que se aglutinam e não a música produzida.
Neste caso a junção não é perniciosa e o resultado final traduz-se numa bela celebração das melodias irlandesas.



quarta-feira, 29 de abril de 2009

Andrew Bird & The Mysterious Production of Eggs

A música pop não tem sido aquela que me tem acompanhado nos meus últimos tempos de escuta. No entanto, sempre que sou alertado para qualquer novo acontecimento, vou no seu encalço e sou muitas vezes surpreendido pela positiva.
É o caso de Andrew Bird, músico de Chicago, que nos presenteia com o seu admirável trabalho de composição, canto e instrumentista. À partida, parecendo de carácter retro, este disco é virado para a frente, pela conjugação das parcelas sonoras exploradas, todas elas já antes ouvidas, mas manipuladas com mestria, inovação e extremo bom gosto.
Quando tento demonstrar um som, recorro frequentemente a outros conhecidos, para daí poderem extrair algumas ideias. Neste caso, vêm-me à lembrança os Beatles, Don McClean, dos anos 60 e os Flaming Lips, já deste século.
Aparentemente simples e indubitavelmente bem feito!

Bird

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Latin Playboys - Latin Playboys

Os playboys latinos são Mitchell Froom, Tchad Blake, David Hidalgo e Louie Pérez, estes dois últimos integrantes duma das mais relevantes bandas americanas: Los Lobos.
Quinze anos já separam os nossos dias, da data de edição deste trabalho experimentalista e assaz curioso. Não esperem ouvir um álbum de canções, tais como aquelas que a indústria nos habituou a consumir. Há aqui um vanguardismo ecléctico que percorre as áreas do blues e da música tradicional mexicana, com a adição de fragmentos do Norte de África.
Há três lembranças nominais que me ocorrem sempre que escuto os sons deste disco: Tom Waits, Peter Green e David Sylvian. Razões sobejas para lhe dar a devida atenção.
Esta foi uma das minhas primeiras incursões pela diferença!

Latin Playboys

sexta-feira, 20 de março de 2009

Souad Massi - Mesk Elil

Cantora, compositora e guitarrista, senhora de uma voz doce e de ricos requebros tímbricos, lançou este seu terceiro álbum em 2005, depois de ter jornadeado por rumos bem diferentes e de ter maturado a sua identidade musical. Mesk Elil é o lucro que resultou da vivência juvenil que deixou para trás, adicionado às origens da sua cultura.
Nascida na Argélia, aí começou por entrar nos meios do rock e por se empenhar na intervenção política e social. Vive há cerca de dez anos em Paris.
Com o avançar da audição deste disco, vamo-nos apercebendo de várias influências, desde o folclore argelino, até ao flamenco, passando pelo fado português ou pela morna cabo-verdiana. Canta em argelino, francês, inglês e berbere (sua língua natal), empregando, por vezes, várias delas na mesma canção. Utiliza instrumentos tiptcamente africanos e árabes (alaúde, cajon, bendir), violinos e outros como a guitarra e o baixo eléctricos.
Embalados pela sua voz e pelo ameno ritmo do conjunto, vamos do deserto à cidade, ladeados por aprazíveis oásis.

Mesk Elil

quinta-feira, 5 de março de 2009

Armenian Navy Band - Natural Seeds

À primeira vista, estamos perante a Banda da Armada da Arménia. Mas a Arménia não tem mar! Confrontamo-nos com um irónico paradoxo e logo aí ficamos alerta para que mais surpresas nos assaltem.
Comprei este cd antes de entrar para a sala do Teatro Aveirense, onde viria a presenciar um espectáculo delicioso de virtuosismo, alegria, humor, sensibilidade, humanismo e de festa. Tudo para mim foi novidade, mas deslumbrante!
Foi com redobrado prazer que depois escutei o cd em casa.
Fundada e dirigida por Arto Tunçboyaciyan, percussionista e cantor, um dos mais destacados músicos arménios que reuniu ao seu redor um núcleo de jovens entusiasmados por revigorar a música autóctone.
É o próprio Arto que diz, acerca da música do grupo, "sem perder a identidade, podes expandir a imaginação, com as tuas experiências".
Jazz, rock sinfónico (o timbre de Arto faz lembrar Gabriel) e muito folclore arménio, "música folk de vanguarda", como eles próprios definem o som produzido.
E para ajudar a desmontar o paradoxo, é Arto que escreve no booklet do disco: "A nossa ideologia é criar confiança entre as pessoas. Se houver amor, respeito e honestidade na tua ideologia, penso que podes mover o barco sem água"!
Este é um trabalho conceptual, sem intervalos entre os temas, e devido a isso, a faixa que incluí na Minha Caixinha de Música aparece cortada no fim...

Seeds

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Corey Harris - Mississipi to Mali

Quem viu a série "The Blues" e mais concretamente o episódio realizado por Martin Scorsese, decerto se lembrará deste músico americano, dedicado aos blues e às suas mais profundas raízes. Quem tem seguido com a devida atenção o Festival Sons em Trânsito, recordar-se-á da sua presença na edição de 2006.
Este disco foi gravado por metades, repartidas entre o Mali e os Estados Unidos, aliás, como o seu genérico título sugere. Nele participaram músicos essenciais na cultura tradicional de cada um dos continentes.
É um som mágico que cruza essas culturas, devolvendo às origens a base do blues e recebendo de lá experiências perenes que se renovam. Imaginem Lightnin' Hopkins tocando e cantando sob qualquer sombra da savana africana. É mais ou menos esse encanto que este trabalho nos proporciona.

Mississipi

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Renata Rosa - Zunido da Mata

Cantora, tocadora de rabeca (violino rural), compositora e porta-bandeira do património cultural e musical do nordeste brasileiro, entre a mata e o mar. É nessa e dessa propriedade popular que Renata idealiza e faz medrar a sua música. Consolidada nos ritmos, parte fundamental da cultura afro-brasileira, e nos cantos caboclos da região, integra depois as cordas da rabeca, do violão e da bandola que completam a harmonia final.
Este é o seu cd de estreia, onde também há lugar para metais e para o meu amigo Roberto Manoel dar um ar da sua graça, tocando a sua trompete piccolo. Robertinho integra o grupo Siba e A Fuloresta, os tais que os meus vizinhos não vão esquecer depois daquele serão de churrasco e maracatú, no logradouro da minha casa, no verão passado.
Um disco luminoso, vibrante e deliciosamente ingénuo que nos lembra ou revela uma outra música brasileira que não o samba ou a bossa nova, mais rural, mais suburbana, mas não menos importante e bem bonita.

Zunido

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Galandum Galundaina - Modas I Anzonas

, Cantigas e engenhocas, é, traduzindo do mirandês para o português, este excelente trabalho dos Ganlandum Galundaina que tem como valor primeiro o de salvaguardar o património musical deste país que tanto se esquece de o fazer. Usam réplicas dos instrumentos antigos, tais como a gaita de fole mirandesa, a flauta pastoril, a sanfona, a caixa de guerra, as conchas de Santiago (Compostela), as castanholas, pairando na fronteira ténue entre Portugal e Espanha.
Trata-se de um núcleo familiar que se reuniu com amigos e partilhando dos mesmos interesses musicais e culturais, puseram o projecto em marcha, já lá vão doze anos.
Quem já sabe algo de mim, reconhece que sou um entusiasta dos encontros da tradição com a modernidade. Este é um caso de pura tradição e um feliz exemplo de que o correr dos tempos vem demonstrar a modernidade de certos valores, neste caso sons, que nunca se perdem, antes se apuram.

Modas i Anzonas

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Kathryn Tickell & Friends - The Northumberland Collection

Sempre reparei nas críticas e referências aos trabalhos desta gaiteira, mesmo em tempos em que não dedicava maior e melhor atenção às músicas de outros mundos. Causa-me alguma raiva e vasta desconfortabilidade, neste caso e noutros com que me deparei e não parei, ter passado em branco sem espevitar a curiosidade auditiva que hoje é constante do meu universo vivente.
É sem dúvida uma magnífica tocadora das pequenas "northumbrian pipes", assim como do violino e da viola. Não sei se decalco o que outrora li, mas a sua forma encantatória de execução é sensual, delicada, que se não soubermos e atentos formos, logo diremos que uma formosa mulher move os dedos na gaita, aperta o fole no seu flanco e acrescenta corpo e alma ao instrumento, como se duma extensão sua se tratasse.
Northumbria é uma região do extremo norte da Inglaterra, fronteira com a Escócia, onde Kathryn nasceu e começou a tocar, ainda criança.
Não há lugar para o "mainstream" neste disco. São tradicionais da sua terra natal a que juntou um original seu. Já com uma dezena de anos, pela sua natureza é, contudo, uma obra intemporal.
A amostra que vos deixo na Caixinha de Música, tem como únicos protagonistas a própria Kathryn e Sean Barry na harpa celta. Os outros amigos estão espalhados pelas quinze faixas deste belíssimo disco.

K T & Friends

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Ao fim de um ano de actividade e com mais de 11.000 visitantes, O Melonauta pode afirmar que os seus propósitos foram alcançados e suplantados até. Quero agradecer a todos que me ajudaram a pôr este blogue a funcionar, aos que me confiaram as suas opiniões e a todos que pelo Mundo fora me vieram visitar. Vou continuar a trilhar os caminhos que conduzem aos surpreendentes paraísos sonoros e deixar pistas para quem os quiser seguir.

Sandy Lopicic Orkestar - Balkea

Esta é uma banda de metais, mas não só. Incorpora vozes, cordas, aerófonos, madeiras e percussões. Resulta da união de músicos provenientes da desmembrada Jugoslávia que se instalaram em Berlim e fizeram da Alemanha o seu abrigo de exílio. Juntaram-se sérvios, bósnios, kosovares, austríacos e eslovenos e daí emanou um cozinhado de sons marcadamente oriundos dos Balcãs, com pitadas teutónicas, vozes búlgaras e marinhados em jazz acidulante.
Aqui se prova que o que os estupores desfazem com a guerra, ferindo de ignomínia o sentir profundo dos povos, a música conserta e une, em harmonia e afectos.
Um disco imperdível, empolgante, ora festivo, ora frágil, que me fez ir em busca de mais...

Balkea